O Nordeste Exige Respeito, Flamengo!
- joserobertomedeiro
- 18 de jan.
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Desde a chegada dos colonizadores portugueses, o Nordeste brasileiro foi o coração econômico que sustentou as elites do Sudeste, contribuindo de maneira fundamental para a riqueza e o poder de outras regiões. A Capitania Hereditária de Pernambuco destacou-se como um dos mais prósperos núcleos econômicos da colônia, transformando-se em um império açucareiro que impulsionou a economia baseada na exploração de mão de obra escravizada. Salvador, primeira capital do Brasil, consolidou-se como um centro político e comercial vital, controlando o comércio atlântico e o escoamento de açúcar produzido nos engenhos do Recôncavo Baiano e de outras partes do Nordeste. A cultura da cana-de-açúcar, símbolo de riqueza e de sofrimento, desenvolveu-se massivamente na região, alimentando séculos de desigualdade social e privilégios que enriqueceram poucos e subjugavam muitos.
O Nordeste também sempre foi palco de resistência e centro político de lutas por liberdade e justiça. A Conjuração Baiana de 1798, inspirada pelos ideais da Revolução Francesa, clamou pelo fim da escravidão e pela igualdade racial e social, em um movimento popular que sonhava com uma república democrática. A Revolta de Canudos, liderada por Antônio Conselheiro no final do século XIX, desafiou a ordem oligárquica ao construir uma sociedade alternativa no interior da Bahia, marcada pela solidariedade e pelo comunitarismo, sendo violentamente reprimida pelo governo. O Quilombo dos Palmares, na Serra da Barriga, foi um símbolo épico da luta negra por liberdade, resistindo por quase um século sob a liderança de Zumbi e Dandara. A Revolta dos Malês, em 1835, foi um levante de escravizados muçulmanos em Salvador, que lutaram bravamente pela emancipação e por um futuro livre da opressão cristã. O Dragão do Mar, Francisco José do Nascimento, representou a coragem cearense ao fechar o porto de Fortaleza contra o tráfico de escravizados, marcando o protagonismo do Nordeste na luta abolicionista. Esses exemplos são testemunhos do solo fértil de resistência política e da força revolucionária do povo nordestino, cuja história é sinônimo de coragem, luta e esperança.
O Nordeste é a alma viva da cultura brasileira, com contribuições que moldam nossa identidade popular. A literatura de cordel, com seus versos rimados e xilogravuras marcantes, transcende gerações ao narrar as histórias do povo com humor, crítica e sabedoria. As festas populares são espetáculos de tradição e alegria: o São João de Campina Grande e Caruaru, reconhecido como o maior do mundo, celebra a vida no campo com forró, quadrilhas e fogueiras. O frevo, patrimônio imaterial da humanidade, contagia as ruas de Recife e Olinda no Carnaval, onde também ecoa a irreverência do maracatu. Já o Carnaval de Salvador transforma a cidade em um oceano de ritmos com o axé e os blocos afro. Esses elementos reforçam a grandiosidade da cultura nordestina como pilar da diversidade e do espírito festivo brasileiro.
Na literatura, o Nordeste deu ao país gênios como Graciliano Ramos, que retratou a luta contra a seca em Vidas Secas, e João Cabral de Melo Neto, mestre da poesia concreta com a obra Morte e Vida Severina. Rachel de Queiroz, a primeira mulher a integrar a Academia Brasileira de Letras, trouxe ao mundo o clássico O Quinze, abordando a seca e a luta das mulheres nordestinas. Mas é impossível falar da riqueza literária sem destacar Ariano Suassuna, criador do Movimento Armorial e do imortal Auto da Compadecida, que funde o cômico e o trágico com a essência do sertão. Jorge Amado, cronista das cores e sabores da Bahia, eternizou personagens como Gabriela e Dona Flor, enquanto também desempenhou um papel fundamental no campo dos direitos civis ao ser o autor da lei que garante a liberdade religiosa no Brasil. Suas obras e seu ativismo consolidaram sua relevância como uma das maiores vozes nacionais.
Na ciência, o Nordeste produziu mentes brilhantes que transformam o Brasil e o mundo. A baiana Jaqueline Góes de Jesus foi fundamental para o avanço da saúde global ao integrar a equipe que sequenciou o genoma do Sars-CoV-2 apenas 48 horas após a confirmação do primeiro caso de Covid-19 no Brasil. O pioneirismo de Juliano Moreira, também baiano, marcou a psiquiatria brasileira ao introduzir abordagens humanizadas no tratamento de transtornos mentais e ao lutar contra o racismo científico no início do século XX. Maria Laura Mouzinho, pernambucana, foi a primeira doutora em matemática no Brasil e abriu caminho para a presença feminina nas ciências exatas, inspirando novas gerações com sua trajetória acadêmica brilhante. Esses nomes são exemplos de como o Nordeste é um celeiro de inovação e resistência intelectual.

Nos esportes, o futebol nordestino deu ao Brasil lendas inesquecíveis. Marta, alagoana, seis vezes eleita a melhor jogadora do mundo, revolucionou o futebol feminino com talento, paixão e liderança. Rivaldo, pernambucano, foi eleito o Melhor do Mundo pela FIFA em 1999 e fez história ao vencer a Copa do Mundo de 2002, onde seus passes e gols foram cruciais. O maestro Júnior, ídolo do Flamengo, destacou-se por sua técnica refinada e versatilidade, sendo referência no futebol brasileiro. Ademir de Menezes, pernambucano, foi o artilheiro da Copa de 1950, com 9 gols, incluindo o primeiro gol na final, e é lembrado como um dos maiores atacantes da história do Brasil. Zagallo, alagoano, conquistou a admiração do mundo como jogador e técnico, sendo o único a ganhar quatro Copas do Mundo, destacando-se pela inteligência tática. Juntos, esses nomes elevam o futebol brasileiro ao panteão dos maiores, com raízes fincadas no solo nordestino que alimenta sonhos e conquistas.
Mesmo com todo esse histórico, ao longo da história do futebol brasileiro, elites do Sul e Sudeste cultivaram o hábito de menosprezar a inteligência e a capacidade do povo nordestino. Essa prática, enraizada em preconceitos históricos, também se manifesta na maneira como o futebol da região é tratado. Apesar de ser verdadeiro que times como o Flamengo têm uma imensa torcida no Nordeste, a instituição frequentemente desrespeita esses apaixonados torcedores. O que já era ruim com poucas partidas para a imensa e apaixonada nação rubro-negra do Nordeste, piorou a partir de 2019.
A gestão de Rodolfo Landim é um marco de como o Mais Querido virou as costas para o seu povo que não habita o eixo Sul-Sudeste-Brasília. Além de não ter propostas para aproximar mais esses torcedores do Flamengo, Landim em todo seu elitismo e falta de compreensão da grandeza do clube que dirigiu, foi além do abandono e promoveu mudanças extremamente desfavoráveis para os Sócios OFF-Rio. Sua gestão não tinha interesse em ampliação do colégio eleitoral do Rubro-Negro e muito menos tinha políticas que fizessem dos sócios OFF-Rio seus eleitores. E, como todo gestor antidemocrático, asfixiar a oposição é uma das suas prioridades políticas.
Os Sócios OFF-Rio viram seus benefícios reduzidos, e um clube que cada vez mais tinha benefícios voltados apenas para torcedores residentes no Rio de Janeiro, em detrimento daqueles que, mesmo a quilômetros de distância, sustentam a marca Flamengo com sua paixão. O sócio OFF-Rio deixou de ser uma possibilidade na era Landim. Como se isso não bastasse, em 2024 e 2025, o clube promoveu excursões pelo Nordeste utilizando a equipe sub-20, mas cobrando ingressos a preços de partidas do time principal — um desrespeito que não passou despercebido. E, apesar dos grandes públicos conquistados no ano passado, a resposta veio esse ano quando a nova gestão, liderada por BAP (que foi parte da gestão de Landim até o começo do ano passado), tentou repetir a prática de cobrar ingressos caros e levar a campo o time Sub-20, e recebeu como resposta dos torcedores de Aracajú e Campina Grande, o pior público da história do Flamengo no Nordeste!Na estreia do Carioca, atuando na Arena Batistão, em Aracaju, em Sergipe, 3793 torcedores assistiram a derrota do Sub-20 do Flamengo para o Boavista. Já em Campina Grande, diante do Madureira, no empate por 1 a 1, o público ainda foi menor: 3614 presentes no Estádio Amigão. Nem 4 mil torcedores por partida, uma vergonha para ficar marcada na história do clube e uma resposta da Nação do Nordeste aos dirigentes engravatados e super espertos do Leblon!
O Flamengo deveria cuidar melhor dos seus torcedores do Norte e Nordeste. O Futebol Nordestino cresce e dá aula em muito grande clube do Sul e Sudeste. Quem é mais bem administrado, Fortaleza ou Corinthians? Quem tem mais chances de uma boa campanha no Brasileirão Bahia ou Santos? Quem está há mais tempo sem conquistar um título Ceará, Vitória, ou Vasco da Gama?
É preciso exaltar a força e evolução dos times do Nordeste, com destaque para o Fortaleza. O Clube subiu pra a série A em 2019 e será o primeiro clube nordestino a jogar 7 edições da série A seguidas desde que começou a disputa por pontos corridos, em 2003. Com uma gestão exemplar, o Leão do Pici colecionou campanhas que inspiram orgulho e respeito, e se coloca pronto para desafiar o domínio histórico dos clubes do eixo Sul-Sudeste. O tricolor cearense disputará a terceira libertadores em 4 anos e foi vice-campeão da Sul Americana em 2023. Já é uma das maiores equipes do País e não tardará até vir uma grande conquista nacional ou continental.
Para a temporada atual, o Nordeste ocupará 25% da tabela da Série A, com a presença de Ceará, Fortaleza, Sport Recife, Bahia e Vitória — um feito notável que reflete a ascensão do futebol regional. A Região Sul, por exemplo, terá apenas Grêmio, Internacional e Juventude como representantes. Centro-Oeste e Norte não disputarão a Série A. Bahia e Ceará tem o mesmo número de times que Minas Gerias na Série A e só 1 a menos que o Rio Grande do Sul.
E o fortalecimento na Série A, gera ventos que podem fazer outros times crescerem. Não faltam times grandes no Nordeste prontos para disputar acessos em todas as divisões do futebol brasileiro. Na série D, por exemplo, pode estar vindo uma excelente notícia para o Futebol Nordestino, e para o Brasil como um todo. O Santa Cruz, gigante adormecido, dono deu uma das mais apaixonadas torcidas do Brasil que não abandonou o time em situação crítica há muitos anos, iniciou sua transformação em uma Sociedade Anônima do Futebol (SAF) com promessa de investimento de R$ 1 bilhão, sinalizando a possibilidade de um retorno triunfante às grandes disputas. Este renascimento pode reconfigurar ainda mais o cenário competitivo nacional. É o Maior de Pernambuco que em breve poderá estar figurando nas grandes disputas do futebol nacional.

Os fracassos de público nos jogos do Flamengo no Nordeste, neste início de 2025, refletem o descontentamento com a repetição de uma prática que beira o desrespeito: enviar equipes alternativas em vez do time principal. O povo nordestino, profundo conhecedor e apaixonado pelo futebol, não aceita ser tratado como espectador de segunda categoria. O respeito à inteligência e à fidelidade dessa torcida é mais do que um dever moral — é uma necessidade estratégica para qualquer clube que se pretenda verdadeiramente nacional. Valorizar essa base de fãs significa reconhecer que paixão e lealdade merecem reciprocidade.
Ser um clube de alcance nacional implica cuidar de sua torcida em cada canto do país. A ideia de excursões durante o Campeonato Carioca é bem-vinda, mas torcedores do Norte e Nordeste não devem aceitar menos do que a presença da equipe principal. Eles não são torcedores terceirizados nem secundários; são parte essencial da razão pela qual o Flamengo se tornou a maior força popular do futebol brasileiro. Se ser a maior torcida do Brasil é motivo de orgulho, trate isso como responsabilidade. Invista em visitas frequentes do time titular à região e apresente um plano sério para atrair mais sócios OFF-RIO. Mais do que isso, democratize o processo eleitoral, garantindo que a imensa Nação Rubro-Negra tenha voz ativa de norte a sul. Ser o maior significa também liderar pelo exemplo, tornando-se o clube com o maior número de eleitores no país. O respeito à torcida é a verdadeira medida da grandeza.
Sobre o autor
José Roberto Medeiros do Nascimento - www.joseroberto.jor.br
Caroca de 40 anos, Fundador do Camisa 24, do Jornalismo 24 e do Orgulho Torcedor. Historiador formado pela Universidade Gama Filho, Jornalista formado pela FACHA. Homossexual, apaixonado por futebol, torcedor do Flamengo. Militante por um mundo mais justo e livre de preconceitos desde 1997. Atuou no movimento estudantil por mais de uma década, trabalhou com a institucionalidade e há quase 15 anos trabalha com comunicação sindical e partidária. Atualmente participa de coletivos que lutam pela democracia, popularização e diversidade no esporte cujo nome não será citado, pois as opiniões expressas no Camisa 24 não representam nenhum partido, coletivo, entidade ou coisa do gênero. Representam apenas a opinião de quem as escreve, no caso desse texto o Jornalista e Historiador, José Roberto
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